A felicidade no gosto das coisas mais simples, na busca da beleza, a que cresce, a que voa, a que canta, a que é perfumada, a felicidade na força que carrega os ramos dos plátanos como braços de titãs, a felicidade na alegria da Primavera, a felicidade na beleza que se ignora, a felicidade no sono do Inverno e nas fúrias de Novembro. A felicidade na corça na borda da floresta, na raposa que caminha calmamente no prado ao amanhecer, no voo furtivo da coruja desta noite. A felicidade na lua renovada, no tecido das estrelas, no azul do céu infinito. A felicidade no pão, frutas, mel. A felicidade no que vive, no que respira, no folgo marino das baleias, no seu canto melancólico. A felicidade na água do riacho que enche a palma da minha mão, e na chuva que lava tudo. A felicidade na melodia de um rouxinol que chama a sua noiva, no hálito do javali que se escapou, na vida.
A felicidade na admiração da beleza criada, da beleza dada, do grande, do formidável, do dom do pintor dedicado à sua arte, da bênção do escultor e no milagre da música e da beleza abstracta dos sons. A felicidade na silhueta da catedral majestosa, no campanário discreto das capelas, nos arcos vermelhos e ocres e no Mihrab sedoso da Grande Mesquita de Córdova, no milagre das paisagens, das montanhas posadas sobre a água, na emoção da floresta percorrida pelo vento, nas ondas sempre recomeçadas, nas ruínas que resistem à areia dos dias, na pedra talhada. A felicidade no papel e na tinta, na cor, na tela, e no pensamento que nela deposita imagens, a felicidade na inspiração e na respiração.
A felicidade por Schubert ter existido, por Mozart ter existido, porque Michelangelo, Toulouse-Lautrec e tantos outros viveram, pintaram, compuseram, traçaram e tintaram, construíram e escreveram, e que os vestígios da sua passagem serem infinitamente sensíveis. A felicidade na música, na recordação do gesto de Frei Angélico, nos dedos do artista que desenhou um cavalo na parede da gruta, deixando o traço do seu movimento e a marca do seu pé. A felicidade na memória daqueles cuja beleza era a busca.
Felicidade na contemplação do que nos foi dado, felicidade nos sentidos, no tocar, no olhar, no ouvir e no cheirar, a felicidade. A felicidade no dom sem cálculo. A felicidade que está ali, ao nosso alcance. A felicidade, ela está à beira dos nossos olhos, a olhar para fora o que está acontecendo. A felicidade que anda por lá fora, com sua rede de apanhar emoções. Ela está no que vemos, no que comemos, no que acariciamos e abraçamos, mas também no que nos foge, que desliza das nossas mãos, que se evapora no ar, no que passa, no efémero, às vezes também no imutável. No que é forte e poderoso, como no que é frágil e ténue. Cada um tem a sua, e há para todos.
A felicidade procuro-a, é isso que me dá alegria. Como é espiritual, guardo-a na minha memória e visito-a nos meus sonhos. A minha felicidade é poesia…
Traduction en portugais : José-Manuel Xavier.
